sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Lobo cinzento


   Ele está sempre em algum lugar por perto, mas odeia encontro cara a cara. Prefere agir à noite, quando são menores as chances de ser pego em flagrante delito. No escuro, o lobo invade o território dos humanos e mata animais indefesos, como cordeiros e galinhas. Os uivos chorosos são o sinal de que o predador invisível está próximo. Quando o fazendeiro finalmente chega à cena do crime, só encontra penas e sangue. Esse comportamento de caça fez o estigma do lobo-cinzento, o maior e mais numeroso dos lobos: sorrateiro, desleal, quase sobrenatural na capacidade de matar e sumir. Deu origem a lendas de terror e detonou uma perseguição que quase acabou com a espécie.
   O oportunismo não passa de uma estratégia de sobrevivência do lobo, animal que, se não tem o porte e a força de um leão, é inteligente o bastante para avaliar custos e benefícios nas caçadas. Mas só vai atrás de frangos quando a coisa realmente aperta – entre eles e um animal maior, como um alce, o lobo geralmente fica com o segundo. É mais vantajoso abater um jantar que dê para toda a família.
   E a ajuda dos parentes – a alcatéia – é essencial no momento de encarar presas tamanho família. Um lobo-cinzento dificilmente atinge os 50 quilos – e sozinho nunca teria chances frente a um alce com dez vezes o seu peso e 2 metros de altura. “Na maioria das vezes, apenas um ou dois lobos realmente matam a presa, mas é correto dizer que todos os animais participam da caçada, porque todos ajudam a amedrontar e a cansar a vítima”, diz o biólogo Marco Musiani, da Universidade de Roma, Itália.
   Tudo na vida lupina gira em torno da alcatéia. Elas são compostas de seis a oito indivíduos, em média. “Mas existem alcatéias de até 20 lobos, e outras de apenas dois”, afirma Marco. Independentemente do número de lobos que formam uma alcatéia, uma coisa é certa: em todas elas há uma rigorosa hierarquia. Os pais são os animais dominantes (os “alfa”), e usam linguagem corporal – andar com o rabo levantado, por exemplo – para indicar seu poder. Apenas eles podem se reproduzir dentro da alcatéia. São eles que lideram as caçadas, que demarcam o território e que ficam com os melhores pedaços das presas abatidas. E também são eles que tomam a dianteira em caso de terem de defender uma presa recém-abatida de alguma alcatéia rival.
   A caçada em grupo requer planejamento. Primeiro, a alcatéia localiza a presa e se aproxima silenciosamente. Então, quando todos já estão próximos o suficiente e a presa já percebeu o ataque iminente, começa uma frenética perseguição, em que os lobos podem correr a uma velocidade de até 56 km/h. Quando estão prontos para atacar, cravam seus longos e afiados caninos geralmente no traseiro, flanco, ombros, pescoço ou nariz da presa. Depois de abatê-la, é hora de encher o estômago. No lobo, esse órgão pode armazenar cerca de 10 quilos de alimento para ser digerido depois – uma vantagem considerável, já que em ambientes selvagens nunca se sabe quando virá a próxima refeição. “Na natureza, um lobo se alimenta cerca de uma vez por semana,” diz Marco Musiani.
   Lobos são animais territoriais e estabelecem suas fronteiras com marcas de urina e fezes. Geralmente, eles conhecem muito bem seu pedaço de terra, que pode variar de 40 quilômetros quadrados a mais de 1 000 quilômetros quadrados. De tempos em tempos, percorrem-no para monitorar a oferta de potenciais vítimas. Um animal pode rondar até 50 quilômetros em um único dia. Ele é equipado para viagens longas: tem pernas compridas e patas largas, que o ajudam a se locomover na neve, e coração e pulmão grandes.
   Outros órgãos cruciais são o nariz e os olhos. O olfato de um lobo, cerca de 100 vezes mais apurado que o nosso, permite que o animal fareje presas a até 5 quilômetros de distância. Basta um ínfimo traço de odor no ar para que o lobo consiga identificar sua possível vítima e ainda ter noção das condições de saúde dela. Além disso, um lobo enxerga tão bem à noite quanto de dia. “Suas retinas têm uma quantidade maior de células adaptadas à visão noturna”, diz o biólogo Marco. Uma camada espelhada na retina reflete toda a luz disponível de volta para o olho. E sua visão periférica é sensível a movimentos repentinos.
   Um incrível senso de oportunidade soma-se aos sentidos afiados do lobo. A caçada é facilitada pela escolha minuciosa da vítima, quase sempre vulnerável. A astúcia do lobo o leva aos doentes, aos feridos, aos velhos, aos filhotes. O que é bom até para as vítimas: ao matar os fracos, os lobos contribuem para uma população mais saudável de presas.
   É no fim do inverno que os lobos têm mais facilidade para encontrar essas vítimas vulneráveis. A piora nas condições do tempo faz com que elas encontrem menos alimento e fiquem mais fracas – uma vantagem para o predador. A temporada de caça também é boa durante o verão, quando nascem os filhotes das presas preferidas dos lobos – que não são humanos. “A maior parte das pessoas tem muito medo de lobos. Isso é uma atitude irracional”, afirma Marco Musiani. Ataques de lobos a pessoas são acontecimentos muito raros – mas ocorrem. Entre abril de 1993 e abril de 1995, eles invadiram repetidamente 63 aldeias no estado de Bihar, na Índia, e arrastaram 80 pessoas da cama para a floresta. Apenas 20 foram resgatadas. Como fazem com outros animais, os lobos preferiram atacar filhotes: 90% das vítimas eram crianças.
 

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